O tumor da Moda
Eu já acreditei na Moda.
Me mudei pra São Paulo para fazer Moda, na que – pra mim – era a capital da Moda. Eu e meus colegas de geração e interesse iríamos mudar o mundo com as roupas. Era a forma mais básica e não-verbal da comunicação do indivíduo – e da sociedade. Moda era um encanto, uma paixão, um amor. A Moda me apresentou pessoas, músicas, drogas… A Moda ficou acordada comigo madrugadas inteiras recortando revistas e rótulos em busca de uma nova forma. A Moda me espiralizou, me levou no fundo do poço e trouxe-me, girando, de volta.
Era uma relação quase sexual. Sentia a Moda, seus fluidos e resíduos. Definitivamente, era com ela que o mundo mudaria e eu me orgulhava de participar daquilo. Ainda mais quando diziam que a Moda brasileira ganhava cada vez mais destaque no mundo inteiro. Bons tempos!
Não que a situação tenha mudado em quatro anos. Talvez ainda seja a mesmíssima coisa. O que mudou foi o meu olhar: me tornei mais sóbrio, mais lúcido para enxergar a realidade. E a realidade, meu amigo, é um tapa diário na minha cara deslumbrada. O mundo está meio que cagando pra Moda brasileira. Paralelo ao SPFW, por exemplo, está rolando a semana de moda masculina de Paris. Sai do Brasil e procura uma loja de marca brasileira… quando você encontrar, faça um mapa tipo mapa do tesouro de pirata porque é raro. Gringo não quer a nossa Moda, gringo quer o nosso dinheiro. Gringo sorri e levanta o copo de caipirinha pra ser simpático e diz que nós somos inspiradores escondendo o real motivo da risada: que nós continuamos importando os produtos deles e repetindo, aos prantos, as criações que fazem sucesso lá fora. É meio como assinar um contrato de dependência criativa. E isso é só um reflexo do puxa-saquismo que rola, tanto nessa questão internacional, quanto em qualquer outro patamar da moda. É bicha sorrindo por um convite, é gente se estapeando para entrar no lounge, é estilista levando crédito pela cópia, é mérito injusto.
Eu me assusto. Me assusto a cada dia. O pessoal da Moda tem cada vez menos dinheiro e, paradoxalmente, cada vez mais carão. Falam da massa como se ela estivesse distante, mas são, por si só, uma massa de pessoas pobres, que depende da criatividade alheia, que leva mérito pelo trabalho dos outros, que parcela uma viagem pra Paris mas não paga a conta de luz há 3 meses – que dirá os funcionários – e ainda quer empinar o nariz. Uma massa de gente oportunista que não dirige a palavra a você até saber da possibilidade de você ter um convite, uma pulseira, uma credencial ou uma ecobag de brinde que seja. Gente que quer ganhar coisas, ganhar fama, dinheiro, poder e prestígio sem fazer muito esforço.
Eu continuo, sim, amando a Moda. Eu busco criações, eu busco gente que se expressa com esse monte de pano, eu busco originalidade ou, pelo menos, um bom remix de cópias. Por sorte, ainda tem algumas pessoas de verdade nesse maldito mundinho e, como a esperança é a última que morre, eu continuo acreditando. Eu descobri que a minha grande paixão tem um câncer, e mesmo assim eu permaneço amando-a e respeitando-a. Rezando, silenciosamente, para que algum milagre aconteça e esse tumor – que muitos chamam de CARÃO – um dia, enfim, desapareça por completo.
mario lemes
